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24 de Abril de 2024

Para juiz, projeto que criminaliza aborto de vítimas de estupro é inconstitucional

AJD divulgou nota de repúdio contra texto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (por Lúcia Rodrigues)

Publicado por Perfil Removido
há 8 anos

O ano de 2015 ficará marcado por o Congresso ter brincado com a Constituição. É assim que o juiz e presidente da Associação Juízes para a Democracia (AJD), André Salvador Bezerra, define a votação do projeto de lei 5.069/2013, de autoria do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que criminaliza o aborto de vítimas de estupro, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

“Esse projeto fere a dignidade de milhares de mulheres vítimas de violência sexual. É inconstitucional! E o que mais impressiona é que a CCJ, que existe para evitar que o plenário delibere projetos absurdos, deixe passar esse tipo de coisa”, critica o magistrado.

A AJD divulgou nota de repúdio ao projeto de Eduardo Cunha. “Ao obrigar a mulher vítima de violência sexual a fazer ‘boletim de ocorrência’ e a submeter-se a exame de corpo de delito para que possa receber assistência do sistema sanitário, o PL 5.069 estabelece uma inaceitável, ilógica e cruel condição para o exercício do direito fundamental à saúde, violando a autodeterminação, a liberdade e a autonomia das mulheres”, diz trecho da nota.

Para juiz projeto que criminaliza aborto de vtimas de estupro inconstitucional

O juiz espera que os deputados revertam a decisão da Comissão. “A CCJ não analisou a matéria tecnicamente, juridicamente. Divulgamos a nota para tentar evitar que o plenário repita o erro da CCJ. 2015 é um ano para esquecer: teve a redução da maioridade penal, a (ampliação da) terceirização, a retirada da rotulagem dos transgênicos, e agora isso... É muita crueldade”, ressalta André.

Leia a seguir a nota da Associação Juízes para a Democracia:

“Nota de Repúdio ao Projeto de Lei 5.069/2013

‘Nem homem, nem mulher, somos um com a face humana’ (Virginia Wolf, Orlando)

A ASSOCIAÇÃO JUIZES PARA A DEMOCRACIA - AJD, entidade não governamental e sem fins corporativos, que tem por finalidade a luta pela independência judicial, pelo império dos valores próprios do Estado Democrático de Direito e do princípio republicano e pela promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, com relação ao trâmite legislativo do Projeto de Lei 5.069/2013, aprovado recentemente pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados Federais, vem a público manifestar o seguinte:

O PL 5.069/2013 merece o nosso mais profundo e vibrante repúdio, pois, além de ser um instrumento misógino de controle da sexualidade feminina, é um verdadeiro atentado contra a dignidade, a saúde e a vida das mulheres.

O PL 5.069/2013 é inconstitucional e constitui uma inaceitável e cruel violência contra as mulheres, de acordo com os princípios estabelecidos pela Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher), que o Brasil subscreveu, comprometendo-se a cumprir.

O PL 5.069/2013 constitui uma violação flagrante ao direito fundamental das mulheres à garantia de sua saúde física e psicológica, sexual e reprodutiva, garantida pela Constituição Federal e pelo sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos.

Ao obrigar a mulher vítima de violência sexual a fazer “boletim de ocorrência” e a submeter-se a exame de corpo de delito para que possa receber assistência do sistema sanitário, o PL 5.069 estabelece uma inaceitável, ilógica e cruel condição para o exercício do direito fundamental à saúde, violando a autodeterminação, a liberdade e a autonomia das mulheres.

Ao abolir a obrigatoriedade da garantia ao direito à profilaxia da gestação, ou seja, à anticoncepção de emergência, que não é abortiva, o PL 5.069 viola o direito das mulheres ao acesso à anticoncepção, direito esse garantido expressamente pelo sistema internacional de proteção dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos, nos termos de inúmeros tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e incorporados ao nosso sistema jurídico, impondo às mulheres a obrigação de suportar a gravidez indesejada em razão de uma violência contra a sua dignidade sexual, ampliando a possibilidade da prática de abortos inseguros e acarretando maiores riscos de sequelas físicas e mentais e morte para as mulheres.

Ao ampliar o espectro legal da criminalização de condutas relativas à prática do aborto, o PL 5.069/2013 contraria os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito do sistema internacional de direitos humanos, pois, ao ratificar, em especial, as Convenções de Cairo (Conferência Internacional de População e Desenvolvimento) e Beijin (Conferência Mundial Sobre a Mulher), o Brasil reconheceu, expressamente, que o aborto é um problema que merece enfrentamento na esfera do sistema sanitário, assumindo, por isso, a obrigação de afastar de sua legislação infraconstitucional os dispositivos que abordam esse problema de saúde pública na esfera das políticas repressivas e criminalizadoras.

E, ao criminalizar os profissionais de saúde que garantem a imprescindível assistência à saúde das mulheres vítimas de violência sexual, o PL 5.069, longe de evitar a prática do aborto, expõe as mulheres à iminência da morte e a sua saúde a imensos e inaceitáveis riscos.

Decididamente, o PL 5069/2013, fruto de uma concepção moral ultrapassada e incompatível com o nosso Estado de Direito Democrático, foi elaborado sob a égide de uma ideologia patriarcal embasada na submissão carnal e na subordinação entre os sexos, com o propósito de manter e reproduzir, no âmbito da sexualidade e das relações de gênero, as relações gerais de dominação e exclusão de uma sociedade fundamentada em formações sociais marcadas pela desigualdade.

Assim, a AJD espera que os senhores deputados e deputadas federais, senadores e senadoras, em homenagem à dignidade e à vida das mulheres, rejeitem esse misógino projeto de lei.

São Paulo, 23 de outubro de 2015.

A Associação Juízes para a Democracia”


Fonte: Caros Amigos

Imagem: Caros Amigos

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